O diplomata Eduardo Saboia: "Havia uma situação de direitos humanos (na embaixada). Eu me sentia um agente do DOI-Codi" (Foto: Alan Marques / Folhapress)
“EU NÃO TENHO VOCAÇÃO PARA AGENTE PENITENCIÁRIO”, AFIRMA EDUARDO SABOIA.
Diplomata que trouxe senador boliviano ao Brasil diz que político vivia praticamente em cárcere privado na missão brasileira em La Paz
O diplomata Eduardo Saboia, responsável por tirar de La Paz o senador boliviano Roger Pinto Molina [asilado na embaixada brasileira há 445 dias sem obter salvo-contudo do governo Evo Morales para deixar o país], revelou ao Estado estar contrariado com a reação do Itamaraty a sua decisão e sentia que era vítima de um jogo de “faz de conta” entre autoridades brasileiras e bolivianas.
Na sua avaliação, o senador estava em cárcere privado na embaixada.
“Eu não tenho vocação para agente penitenciário”, disse. A seguir, trechos da entrevista que concedeu ao jornal.
A decisão de tirar o senador de La Paz foi sua?
EDUARDO SABOIA – A decisão foi minha. Havia uma situação de violação de direitos humanos. A situação foi se deteriorando, ele falava em suicídio, pedia para que o tirassem dali.
Na quinta-feira, o advogado dele foi lá conversar comigo. Na sexta-feira, levou um laudo mostrando que ele podia se suicidar.
Podia ser manipulação, mas não tinha como saber. Eu decidi que tinha de fazer alguma coisa.
O seu nome foi colocado na nota divulgada pelo ministério o responsabilizando, ainda que indiretamente, pelo caso.
EDUARDO SABOIA – Eu não gostei. Foi um prejulgamento. Por isso, tomei a liberdade de me defender.
Espera alguma punição ?
EDUARDO SABOIA – Entrego a Deus. Recebi muito apoio de colegas.
A viagem foi muito difícil?
EDUARDO SABOIA – Foi difícil, mas o pior está sendo agora. Claro, teve estresse, foi difícil, mas o que me dói mais é sofrer essa crítica do Itamaraty.
Eu não quero afrontar ninguém. Pode não ter sido a melhor solução, mas fiz o que entendi que precisava fazer.
Por que o senhor decidiu tirar o senador de La Paz?
EDUARDO SABOIA – Quando o advogado me levou o laudo, eu decidi que íamos resolver. Ele foi no carro ao meu lado.
Não teve viagem em porta-malas, não teve nada. Ele estava no carro. Passamos por seis controles e deu tudo certo. Quando chegamos ao Brasil, avisei o embaixador Marcel Biato e ele avisou o ministro Patriota.
Não avisei antes porque não podia.
O que o levou a tomar a decisão na sexta-feira?
EDUARDO SABOIA – Foi aumentando o desespero. Eu tinha, de um lado, um advogado no Brasil dizendo que o governo brasileiro é irresponsável, entrando com um habeas corpus no Supremo Tribunal Federal.
Depois, o advogado dele aqui na Bolívia, pressionando porque ele estava doente.
E eu tinha outros assuntos para tratar, a mudança do embaixador, a situação dos corintianos [presos na Bolívia sob acusação de envolvimento na morte de um torcedor na partida Corinthians x San José, em Oruro, pela Copa Libertadores, a 20 de fevereiro passado -- os cinco últimos dos 12 presos foram libertados no dia 2 passado], estava chegando no limite. Quem está no campo de batalha precisa tomar decisões.
Dizia-se em Brasília que as negociações continuavam.
EDUARDO SABOIA – Era um faz de conta. Não dá. Você via as negativas públicas do salvo-conduto. Ouvi de pessoas do Itamaraty, eu tenho os e-mails do pessoal dizendo: “Eles fingem que negociam e a gente finge que acredita”.
Era melhor, então, cancelar o asilo.
A situação era muito ruim?
EDUARDO SABOIA – Era um desgaste, um risco não só para ele, mas para a embaixada. Você não sabe o ambiente que é ter um preso do seu lado.
Eu me sentia um agente do DOI-Codi. Estava demais, muita pressão. Eu não tenho vocação para agente penitenciário.